Diário do Caixa

Caixas de supermercado. Foto: https://br.pinterest.com/pin/468937379933881266/


   - Crédito ou débito?
   - Débito.
   - Coloque o cartã, por favor... 
   - Pronto...
   - Coloque a senha, por favor...
O senhor digitava os seis números. Depois, soltava a máquina. Esta, por ventura, alertava o erro na senha. 
   - Você esqueceu um número. 
   - Ah, verdade...
   - Pronto, senhor.
   - Muito obrigado.
   - Por nada... Próximo!
     Mazé já recitara essa reza umas 28 vezes hoje. Vinte e nove, se contar aquela da senhora que decidiu pagar a vista na última hora. Cliente sendo cliente. Sempre indecisos e cheios de razão. Faz parte do trabalho. Todos querem sair ganhando. É a nossa natureza.
     Ela começou a trabalhar na empresa em 2001, no mesmo ano em que votou no Lula. Mazé se recorda bem. Queria mudanças. Todos querem. Infelizmente, entretanto, sua vida pouco mudou durante todo esse tempo. Somente seus filhos que nasceram e cresceram. Dois, no total.
     Ser balconista em supermercado parece tarefa fácil. Mas não é. Lidar com ser humano é um serviço complicado. Porém, quando se aprende as manhas e segredos, o trabalho fica mais suave. Mazé conhecia muitas técnicas e sabia aplicá-los a cada cliente. Eles ficavam na palma da sua mão.
     Os clientes, pobres coitados, pensam que não são observados. Mazé conhecia os trejeitos de vários deles. Havia o seu Paulo, que sempre derrubava a foto do filho que morreu quando ia tirar o cartão. Também sempre aparecia a dona Isaura, que nunca acertava a senha. O doutor Rodolfo não era doutor, mas sempre vinha nos panos e por esse título ela costumava chamá-lo. Percebia que o semblante dele se enchia de alegria.
     Havia também o jovem Jandisley, cujo nome ela sabia decorado pois ele o portava em um crachá do trabalho. Ela sempre quis perguntar quem inventou o nome dele, mas preferia evitar alguma situação constrangedora. 
    Volta e meia, Jandisley errava o tipo de leite que comprava. Mazé que o alertava:
 - Senhor, a sua mãe só toma leite de soja. Esse é de vaca mesmo. 
 - Ah sim! Obrigado! Venho já. Espera um instante, por favor!
    Ah, não podia se esquecer do safado do Marcos. Aquele ela não engolia. Era casado e morava lá do outro lado da cidade. Mas toda sexta-feira vinha para essas bandas a fim de comprar as coisas que sua segunda família (oculta) precisava.
   Mazé descobriu tudo a uns três meses, quando ele trouxe o cartão de crédito errado. Ela viu que o nome era de uma mulher e tinha o mesmo sobrenome dele. Por uma crise de curiosidade, resolveu stalkeá-lo no Facebook e descobriu tudo sobre aquele homem sem futuro, inclusive que ele possuía duas contas! Essa é a vida de caixa.
     Paradoxal é imaginar que aquela balconista faz parte da vida de tantas pessoas e, ao mesmo tempo, não existe para elas. Quem lembra o nome de caixa de supermercado? Difícil. Até porque é sempre uma loucura nessas lojas. Ainda assim, dezenas ou até centenas de vezes compramos nossos suprimentos essenciais por meio dessas pessoas.
    Essa também é a graça, pensa Mazé. Afinal, ninguém vai dizer coisas do tipo: "valha, Mazé, você está envelhecendo". Ninguém nota. Para os clientes, ela é sempre um personagem novo no supermercado. De certa forma, não é muito superior a um robô.
    Assim, Mazé já se acostumou (ou acha que se acostumou) com essa indiferença. A vida em casa pelo menos compensa. Ela possui uma família legal. Sua casa é um verdadeiro lar. Sonho de muitos, ilusão de tantos outros, realidade de poucos. 
    Se um dia você a ver e, por algum motivo, depois de ouvir essa estória, quiser saber se ela gosta do trabalho de balconista, ela te responderá de uma forma simples e clara, carregada de um volumoso laconismo:
    - Crédito ou débito? 




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