A garota do estetoscópio

Estetoscópio. Imagem: http://forum.outerspace.com.br/index.php?threads/aos-profissionais-da-are%C3%A1-de-sa%C3%BAde-ferramenta-de-trabalho.321761/


Por Alexandre Valério Ferreira


A LEVEZA EM suas mãos, o movimento gradual e o olhar cheio de brilho, tudo deixava claro: aquela caixa continha alguma muito importante. Seus trinta centímetros de comprimento com 10 de largura cabiam infinitos sonhos. Alguns destes quase tão antigos quanto seus anos de existência da garota que os continha.
   O curso de técnica em enfermagem veio como uma forma de compensação. Médica não seria (ou pelo menos não via perspectivas de nesse ramo entrar agora). Enfermagem também era curso concorrido. Não tinha condições de tentar inúmeras vezes, como alguns privilegiados. 
   Difícil dizer se era muito inteligente ou não. O que ninguém poderia negar era sua paixão pela área clínica. Chegava a ser assustador seu amor pelo sangue, pelo bisturi, pelas séries de médicos. Seria psicopata? Não, longe disso. Queria o bem das pessoas.
   Sim, o curso de técnica veio a calhar. Dizia para si mesma que era tão importante quanto os outros. E, de fato, os hospitais precisam de muitos técnicos e seu serviço é essencial para o bem estar dos pacientes. Comparações grosseiras não trazem nenhum benefício.
   No ônibus, sentada, abria a caixa com o seu primeiro estetoscópio. Com muito cuidado, ia juntando as peças. Encaixou as olivas auriculares com a haste em Y. Depois, observou atentamente o diafragma e campânula. O brilho metálico refletia a vivacidade que escapulia do olhar apaixonado da garota. O símbolo universal de médico estava montado. Não era uma... ainda.
    Enquanto toda a cena de encanto se dava, o mundo girava. O ônibus parava para alunos de ensino médio. Estes gritavam felizes, tristes, enlouquecidos. Trabalhadores, pais, mães, idosos, universitários, todos passavam. E ela lá, no seu próprio universo, alheia aos olhares, ainda que curiosos, verdadeiramente desinteressados com o passado ou futuro da estudante.
   Talvez hoje ela sonhasse o momento em que auscultasse o primeiro paciente. Temia que na hora, o barulho de nervosismo do seu próprio coração fosse tão alto quanto o do cliente. Vai que atrapalhasse o exame? Eram tantos os medos. Mas não tinha vergonha. Era uma batalhadora. Aceitou-se assim e, a despeito da opinião de muitos, era dessa forma muito feliz.


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